por Louise Berlanga
"Da luta não me retiro... Me atiro do alto e que me atirem do peito.
Da luta não me retiro nunca!" (O Teatro Mágico)
Da luta não me retiro nunca!" (O Teatro Mágico)
Quem passa à noite aos arredores do Senac Piracicaba, no horário do intervalo das aulas, se depara com uma figura simpática, notada até mesmo de longe. Os alunos em volta do senhor Rodolfo Ferracioli, o Véio, de 63 anos, disputam seus salgados e refrigerantes. Ele geralmente volta para casa com o carrinho vazio.
Um fato curioso é que de onze irmãos e uma irmã, seu sobrenome é o único a ser escrito com um l só. Erro de cartório, afinal, todos erram. Desses irmãos, quatro já são falecidos, mas Véio prefere apenas se recordar dos momentos bons vividos juntos. Faz questão de não se lembrar de datas e muito menos dos motivos pelos quais vieram a falecer.
Teve três filhos em seu primeiro casamento: Rosa Cristina Ferracioli, hoje com 35 anos, Rodolfo Jesus Ferracioli, com 32 anos (“Preferi Jesus a Junior”, disse sorrindo), e Frederico Bibiano, assassinado aos 30 anos de idade. Não explicou o motivo do sobrenome diferente, apenas deixou claro que ele foi morto porque “mexia com coisas ruins”, se referindo a entorpecentes em geral. “Esse filho eu prefiro embaixo da terra, era ruim e tranqueira como a mãe”. Lamenta em parte ter uma relação restrita com os outros flhos, pois a influência da mãe é muito forte e isso o afasta deles.
Já do segundo casamento, tem uma filha que, pelo modo de falar, parece ser a menina dos seus olhos. Roberta Carolina Ferracioli tem 21 anos, 1,80m de altura, é muito agarrada ao pai de quem tem muito ciúme e pelas palavras de pai, assim como todo pai orgulhoso, “é linda”. Ainda completa: “Que pai que não acha sua filha linda, né?”.
Sua história no Senac começou há 13 anos. Véio já vendia salgados em algumas lojas do comércio da cidade. Uma de suas clientes, que na época dava aulas na Unidade Benjamin do Senac, sugeriu que ele fosse vender seus quitutes no local, uma vez que no horário de intervalo das aulas, não havia opções boas por ali.
No primeiro dia, conta que não vendeu absolutamente nenhum salgado. Já no segundo dia, vendeu um pouco e daí em diante, as vendas só aumentaram. Com o aumento das vendas, Véio também aumentou suas amizades. Orgulhoso, diz que no Senac conheceu vários amigos, entre alunos e funcionários. Mas sua esposa o ajuda a preparar todos os salgados em casa, manualmente. Enquanto ele abre a massa cuidadosamente, ela preenche com os recheios variados. Na hora das vendas, algumas vezes, sua família o acompanha. Muito alegre, simpático, diz que gosta sempre de brincar com sua clientela, mas sempre mantendo o respeito. Brinca sempre, mesmo quando sua esposa está junto, assim ele mantem o bom convívio com os alunos e funcionários do Senac.
Já nos momentos de tranqüilidade, que são aos sábados e domingos, Véio gosta de trabalhar em sua marcenaria, reformando móveis. É o lugar onde consegue se distrair. E foi justamente nesse lugar onde aconteceu um pequeno acidente há quase dois meses, enquanto mexia numa gaiola. Quando percebeu, cortou dois dedos com a serra elétrica e precisou de cinco pontos em cada. Ainda hoje sente como se os dedos estivessem amortecidos, dificultando em alguns momentos seu trabalho.
Véio não costuma se atrasar para ir embora. Sempre espera os alunos voltarem para as aulas e parte a pé com seu carrinho, seguindo pela ponte, já que mora bem perto da escola. Nesses treze anos, foi assaltado apenas duas vezes mas ainda assim, prefere ficar receoso. É um número pequeno para quem faz o mesmo caminho há mais de uma década.
Com a aparência frágil, delicada, mas com a personalidade forte, simpática, extrovertida e jovial, não há quem não se encante com seu Rodolfo. Não há quem não queira comprar os salgados do Véio pela simples vontade de compartilhar cinco minutos de sua conversa boa e animada. Assim, é fácil encantar-se com a simplicidade de pessoas boas de alma como a dele...